Brasil pode viver situação onde alta de impostos diminui arrecadação, dizem especialistas

Postado em 02/12/2015

Publicado na Agência Estado em 6/11/2015 – Com a já propalada rigidez dos gastos públicos e a falta de poder político da administração Dilma Rousseff para mexer em despesas obrigatórias, o grosso do ajuste fiscal tem recaído sobre aumento de impostos. Entretanto, alguns analistas dizem que o Brasil pode estar vivendo uma situação onde a elevação da carga tributária na verdade tem um efeito contrário ao esperado, levando a uma queda na arrecadação.

Esse efeito é descrito pela chamada curva de Laffer, elaborada pelo economista norte-americano Arthur Betz Laffer. Ela ilustra a elasticidade da arrecadação tributária em relação às alíquotas de impostos. De forma simplificada, ela parte de uma alíquota zero, que gera zero de receita, e vai aumentando até um ponto máximo de recolhimento de impostos. Após esse ápice da curva, a arrecadação passa a cair, já que chega um nível de impostos que incentiva os contribuintes a burlar o sistema ou simplesmente deixar de produzir. No extremo, 100% de alíquota acaba voltando para zero de receita.

“Nós estamos vivendo um momento em que o aumento de impostos só vai levar a mais inadimplência, e isso é uma característica da curva de Laffer”, comenta o coordenador de estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral. O advogado tributarista Roberto Romagnani, do escritório Romagnani Advogados Associados, acredita que o Brasil já passou do ponto de equilíbrio da curva, ou seja, estaria no lado descendente da arrecadação. “É lógico que a recessão influencia na queda da arrecadação, mas isso também é reflexo da carga tributária, que é muito elevada. Somando os impostos indiretos, essa carga beira o confisco”, afirma.

Ele lembra que a curva de Laffer só vai até uma alíquota de 100%, mas em algumas situações o Brasil tem impostos superiores a isso. É o caso de bebidas alcoólicas estrangeiras e outros produtos importados considerados supérfluos. O advogado aponta que no caso da Cide sobre os combustíveis, um dos impostos que o governo pretende aumentar, essa elevação da alíquota pode diminuir a arrecadação. “A Cide tem essa característica de ser um imposto regulador, cujo objetivo era mesmo alterar o consumo. Então, um aumento na alíquota para arrecadar mais pode sim ser contraproducente”, afirma.

Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal e sócio da Logus Consultoria, diz que a curva de Laffer é um conceito muito teórico e que é impossível verificar sua aplicabilidade no caso brasileiro, mas afirma que a carga tributária é muito alta. Para ele, antes de discutir qualquer aumento de impostos é preciso primeiro acabar com as possibilidades de redução dos gastos do governo.

Segundo a Receita divulgou na semana passada, a carga tributária ficou em 33,47% do PIB no ano passado. Já o IBPT calcula esse porcentual como 35,42%, um recorde na sua série histórica, iniciada em 1986. Segundo Amaral, diferentemente do governo, o instituto inclui na conta contribuições corporativas, sindicais e tarifas de órgãos de fiscalização, além de somar também multa, juros e correção monetária pagos pelos contribuintes.

Samuel Pessoa, da FGV, também considera que não é possível verificar de maneira categórica se o Brasil estaria no ápice da curva de Laffer. Ele concorda com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de que será preciso elevar impostos para salvar os contas públicas no curto prazo. “Porém, se for só isso, o alívio vai ser muito transitório. Se criamos uma CPMF agora, daqui a um ano e meio vamos ter que criar outra”, aponta.

Para Pessoa, dentro da faixa de renda per capita do Brasil, a carga tributária do País está entre as maiores do mundo. “O problema é que aqui as pessoas se sentem prejudicadas, porque não veem o retorno dos seus impostos. Não tem contrapartida do governo, então é simplesmente um investimento que não vale a pena”, acrescenta Romagnani.

Ainda que não seja possível comprovar que o Brasil esteja no ponto da inflexão da curva de Laffer, os analistas concordam que muitas empresas estão deixando de pagar impostos em meio ao ambiente atual de recessão. “Isso acontece porque a administração anterior fez muitos programas de Refis. O ex-ministro Guido Mantega destruiu a base tributária quando resolveu fazer caixa com Refis, porque agora fica todo mundo esperando o próximo”, diz Pessoa.

Amaral, do IBPT, afirma que essa estratégia faz sentido do ponto de vista das empresas, já que se deixarem de pagar seus fornecedores elas não conseguirão produzir, ao passo em que atrasos no salários dos funcionários levam imediatamente a problemas com sindicatos e o Ministério Público do Trabalho. “No atual ambiente macroeconômico as empresas priorizam pagamentos, e o governo não é muito eficaz na cobrança de tributos”, explica.

O IBPT calcula que, no acumulado de janeiro a setembro, a inadimplência no pagamento de impostos cresceu 15% em relação a igual intervalo do ano passado, com a dívida cobrada por União, Estados e Municípios chegando a R$ 1,2 trilhão. Parte desse aumento se deve aos juros e multam que incidem sobre os tributos atrasados, mas parte é resultado da inclusão de novos devedores.

Romagnani lembra que não há nenhuma ilegalidade em uma empresa deixar de pagar impostos, desde que ela declare devidamente todas as suas atividades. Para o advogado tributarista, o governo deveria simplificar e desburocratizar o sistema. “Se isso acontecesse, eles até poderiam aumentar um pouco a alíquota que não prejudicaria a arrecadação. Os custos das obrigações assessórias das empresas são muito altos. O tempo e esforço para cumprir todas as legislações são muito grandes”, aponta. (Álvaro Campos)

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